vezenquando

Friday, October 07, 2011

Norman 3

Os quadros, os livros, as almofadas do sofá. Os cartões postais que espalhei pelas paredes, o jeito que arrumei os vidros de temperos. Uma casa inteira pensada pra você. Como se a sua visita estivesse prevista, mudei a cama de lugar, coloquei flores nos vasos, pendurei as cortinas. Mudei a cor das portas do armário. Arrumei sobre a mesa várias referências de nós dois. Pensei em quais livros deveriam estar em qual altura da estante. Que discos espalhar sobre o som que nunca, nunca funciona. O que você iria pensar da cor da geladeira, dos ímãs na porta. Da manhã cor de rosa, filtrada pelo tecido fino sobre a janela...

No começo era uma esperança, depois virou hábito. De tanto fazer pra você, acabei achando que era pra mim. Não sei mais se vejo filmes pensando em mim ou em você. Se ouço bandas novas para mim ou para você. Uma ausência tão presente em tudo que faço. Nos sapatos que compro, nas roupas que experimento. Imagino "E se... e se a gente se esbarra na rua?" "E se ele me vê com esse batom vermelho?" "E se ele encontrar essa planta ao lado da porta?" "E se ele não gostar de saia comprida?". Escolho cores, vestidos, as sandálias. O cinto colorido. O sabor do chá. O tipo de moldura. As pequenas delicadezas que aprendi sozinha e que ofereço assim, para você - para ninguém.

Leio livros e quero te contar: olha só essa história, que bonita se virar imagem. Penso no que você pensaria se estivesse lendo o que escrevo. E penso com tanta naturalidade que até esqueço que era para você. Parte do meu corpo, das minhas ideias. Sua postura de não sei virou a minha. Seu jeito de piscar e olhar pro lado tornou-se o meu. As viagens que faço e penso em você, como se pudesse te ver na próxima esquina. É claro que estivemos lá no mesmo ano e não nos vimos, do mesmo jeito que nossos caminhos se cruzam desde antes de a gente se conhecer até para sempre. Nos encontramos nas eternas coincidências, como a marca do cigarro, o isqueiro, as ironias cúmplices que só existem entre quem se conhece há muito tempo. São atos assim, tão simples, tão dentro de mim. Tão espontâneos que nem lembro de te dizer que foi assim que dediquei esses anos todos pra você. Como a gente não fala, esqueci de contar que esse foi o meu jeito de dizer que te amo. E esqueci também que, não importa o que eu faça, você chega e sai correndo, sumindo, desaparecendo em vertigem. Sem ler nada, sem ver as cores, esbarrando em copos. Vai em silêncio, sem prestar atenção ao mundo que pintei para você. Vento leve e morno que passa sem dizer adeus.

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