vezenquando

Monday, May 26, 2008

Golpe baixo

Respira, respira, respira, nao é nada...

Friday, May 23, 2008

Café

Ao som de Opus 23, Dustion O'Halloran


Ela disse que não, nunca mais esqueceria aquela tarde. Que dessa vez tinha acabado com tudo, afogado o seu romantismo num belo lago. E com estilo, nos jardins de Versailles, porque já que é para terminar, ao menos que seja com glamour. E falou da luz meio embaçada da tarde, das árvores muito verdes, do rio espelhado, castelo, espelhos, e disse que achou tudo tão bonito que quase andava nas nuvens. Então ela olhou por cima da xícara de café e enumerou as cores, o sol dourado em todas as portas e portões, as flores. Riu e lembrou que desde pequena tinha a imagem de um jardim em labirinto na cabeça, mas não tinha percebido que era ali, onde estava pisando. Então disse devagar que andava pelas aléias e na sua cabeça tocava a trilha sonora de um filme, aquele da Maria Antonieta... mas não sabia direito porque tudo tinha que sempre parecer um filme, uma novela meio tragicômica.

Perguntei se a novela tinha a ver com o afogamento e ela respondeu olhando pela janela que no meio de todo esse jardim de sonhos tinha esbarrado em sei lá quem abraçado com sei lá quem outra. Pensei que provavelmente esse sei lá quem devia ser alguém importante, porque ela disse que depois a tal sensação de andar nas nuvens tornou-se vertigem. E foi falando um pouco baixo que havia coisas que se repetiam tanto e ela não entendia, mas que era assim mesmo, ultimamente ela tinha aprendido que é melhor viver so o agora, sem pensar muito no que vai vir. E disse com uma risada meio alta, depois de um gole d’água, que aproveitou para fazer um afogamento coletivo, das esperanças e do romantismo. E falou muitas coisas depois, uma noiva e fotos, um piquenique, risadas e amigas, um pouco de choro – mas não dela – remadores no canal e a cor do céu naquele dia. E foi falando, falando e fiquei lembrando dos cabelos compridos, antigamente, dos cachos e das cartas que mandava com esperanças de caminhar acompanhada pela beira do Sena, de esperar alguém na estação, das roupas coloridas, do jeito que cantava alto em uma pista de dança escura em algum lugar distante.

Bebeu mais um gole do café e disse que estava muito feliz com o assassinato do lago porque, no fim, descobriu que estava sozinha e bem feliz, de uma felicidade que tinha esquecido como era. Ficou argumentando tudo isso e eu olhava suas mãos um pouco grossas e pensava estranhamente na época em que alguém cozinhava abóbora com cal na cozinha e nós dois ficávamos olhando pela janela o dia de chuva. Com as pernas cruzadas em cima da almofada, ela inventava histórias para as gotas que escorriam no vidro, se juntavam, se separavam, se uniam a outros fios d'agua. E ela repetiu que tinha sido melhor assim, empurrar esses pensamentos para longe porque, em tanto tempo, não tinham levado a muita coisa. Falou de sinais, de cacos de garrafas pela rua, de ausências, de primavera e de pessoas com quem tomava sorvetes sabor de flor. Fiquei olhando seus olhos e alguma coisa tinha mudado, alguma coisa verde no fundo de um rio límpido. E voltei àqueles dias em que ela gravava cds de músicas que falavam de amor, do quanto gostava de Roberto Carlos e de Mário Quintana, dos e-mails que escrevia falando de jantares e vinhos, de mãos dadas, de caminhadas à noite, de solidão e de pequenas epifanias.

Limpou os óculos, sorrindo, e foi dizendo que era sempre muito bom me ver, mas precisava ir. Contou que ainda tinha que estudar um pouco e trabalhar um tanto porque a noite chegava muito tarde e embaralhava as horas. Disse que depois de tanta coisa estava assim, um pouco distraída e bem atrasada. Perguntei para o que estava atrasada, mas ela afastou o cabelo dos olhos e disse alguma coisa provavelmente em francês, porque não entendi a resposta. Enquanto pagava a conta, uma garoa fina começou a sujar as janelas do café. Saiu enrolada em casacos, bolsa e sacolas. Abri uma revista e, enquanto folheava, eu quase podia ver as gotas de chuva escorrendo lentamente, se juntando-separando, pelas lentes em seu rosto.

Friday, May 02, 2008

Cadernos de viagem - Curitiba/Lyon

Começou com um céu azul e chuva fina. Depois virou dourado e se separou em sete cores. Um arco- íris sobre o Rhône dizendo sim. E então vieram as flores miúdas de cor clarinha e esse passarinho cantando ao som de um piano bem leve enquanto o sol se põe em azul. Lyon me avisando que tinha feito a coisa certa. Se o tal do bonheur existe, ele é mais ou menos esse agora.

Porque em 15 dias me assustei com as cores berrantes da Serra do Mar, tomei chuva,vi o sol, aprendi sobre a volta de Saturno, chorei com propaganda tosca da Secretaria de Turismo paulistana, o Masp, aquela língua vermelha no teto do Auditório Ibirapuera, Largo do Arouche, Anhangabaú, ah, Bela Cintra... Nó na garganta, lágrimas, tristeza infinita, casa, caos, correria, família, família, família, perceber um mundo que mudou também, enquanto fiquei distante. Etapas de outras vidas começando, alegria, alegria, alegria infinita, ah, que tensão o novo... A vida às vezes é tão enigmática que não adianta entender. E aí, encontrar pessoas que parece que vi ontem, sou a mesma, mas tudo está tão diferente, ãhn? Aquela janela era assim mesmo? O pôr do sol dessa cor? Esse olhar tão negro? E os sentimentos que sentia mudaram, as certezas foram embora, ah, que frio na barriga o novo.

E só percebi aqui, voltando, o quanto é radical, muito radical, viu, esse negócio de morar fora. Mais ou menos uma Revolução Francesa, queda da minha Bastilha cheia de convicções, com tudo mudando, não sobrando nada, nem meus amores inventados, nem os planos para o futuro, mudanças tão rápidas que nem eu entendi ainda. Um étonnement, uma epifania atrás da outra, ploft, ploft, ploft, pilares caindo, olhos bem abertos para descobrir o que vem depois. E aí muitas coisas começam a fazer sentido, como a sensação de que não pisava na Apinagés há dez anos, em Curitiba há cinco, e essa primavera me recebendo na França dizendo que é assim mesmo que tem que ser. John, Paul, Jorge and Ringo e o Moulin Rouge cuidando de mim e velando minhas manhãs e noites de sono pesado. Pisar nas margens do Rhône e sentir os pés no chão, calor que traz olhares e sorrisos, água calma, cheiro de jasmim, vontade de cantar bem alto na chuva. Gatekeeper seasons wait for your nod. Eu e minha sombrinha amarela, feliz feliz feliz, e sem ter a mínima idéia no que isso tudo vai dar. Entendendo, enfim, quando alguém falou que pode ser egoísmo querer dividir algumas sensações. Há mágicas secretas que só podem ser sentidas.