vezenquando

Tuesday, February 19, 2008

Frio frio frio

Ou um exercicio de adjetivos para explicar o que so é possivel sentir


Faz muito frio. Um frio total. Insuportável, incalculável, invivível. Não, não é esse frio que você conhece. Aquele frio de primeiro grau, que basta andar mais rápido que passa, ou pensar em outra coisa que ele fica mais quentinho. Não. É o frio absoluto. O FRIO, em caixa alta, com “fs” e “is” pontiagudos, “r” de brrrr! . Um frio completo e irrestrito, sem começo nem fim, congelador de ossos e pontas dos dedos. Quando ele aparece – e ele é sempre inesperado, feito visita de parente chato, chamada do telemarketing logo de manhã, aquelas coisas que você sabe que acontecem mas torce prá nunca passar por elas – quando o terrível frio surge, é impossível escutar até os pensamentos. Da vontade de sair gritando na rua de revolta, de como é que alguém passa por essa tortura superlativa assim calado e impassível?? Mas ninguém grita, porque para abrir a boca é preciso um esforço a mais e aí é escolher entre usar a energia que resta para esquentar o dedão do pé ou gritar enlouquecidamente. E o dedão sempre fala mais alto, porque, bom, um dedão congelado é um dedão imóvel nível Kill Bill, e isso também não é nada agradável. Mas é sempre possível gritar internamente muito e alto, já que além de andar rápido e imaginar uma cena meio embaçada com coisas derretendo de calor nos trópicos, úmidas e grudentas, ahhhhhhh, que maravilha!, não dá prá fazer mais nada. O frio versão areia movediça toma tudo, indignamente, monoassunto: – Mas que frio, hein! – Pois é, friozão. – É...

E ele é feio. O mundo fica em tons de cinza, preto e branco. Não há flores, grama, chuva, céu azul. Nem sorrisos. Um grande floco de algodão sem água. As pessoas descoloridas dentro das toucas de lã, pálidas e de cara fechada. De dentro dos capotes escuros e gelados ninguém olha para o lado. O outro sem o brilho do sol fica invisível, inexistente. Calor, nem humano. E aí o terrível frio também é solitário como um ciclo seco. Como as noites sem sonhos e sem sobressaltos. Manhã gelada sem bom-dia. Triste, triste, triste, como a música mais triste do mundo.

Esse frio, o Terrível Frio, vem de uma genealogia de coisas inagüentáveis. É irmão do Terrível Sono, aquele que aparece depois do almoço durante a reunião do trabalho, quando seus olhos cheios de areia lembram que foram abertos às seis da manhã e só vão se fechar à uma da madrugada do dia seguinte. Primo próximo da Terrível Saudade dos Domingos à Noite. Também é parente daquela terrivel vontade de estar com uma pessoa que não é sua. É fatal, infinito e corrói do mesmo jeito. Cansa, magoa, dói na alma, faz parar de respirar. Quando faz muito frio é tudo isso, parece que o mundo vai se acabar afogado em uma cerração gelada sem oxigênio. É como sobreviver sem amor, árvore seca de fruta amarga. Noite de insônia sem solução.

Mas o pior, o pior de tudo é que o frio é sempre, e não por acaso, enfrentado em luta solitária. Duelo de uma pessoa só pelas ruas vazias e escuras. Sim, o frio é também todo escuro. Sem a mão estendida para te ajudar. Gelo na alma, nas existências presente, passada e futura. Ninguém nunca me avisou que o frio era assim tão difícil. Por isso, que setembro venha logo em abril. Quero derreter em fogo de abraços e músicas e cores, sem meia-calça nem cachecol. Morrer de calor com grãos de areia grudados na pele e vento morno. Limonada gelada, picolé de fruta anunciado na gaita, rede balançando, vestido e pernilongo. O sol, lusco-fusco inteiro e amarelo só prá mim.

Monday, February 11, 2008

Cadernos de Viagem - Lisboa/Londres

Porque você está em tudo. Na alegria das coisas que dão certo. No sol que esquenta, em pleno inverno. No sotaque português, na ingenuidade de rir muito, por nada. No sorriso que me recebeu em uma casa com sala, televisão, DVDs, vinho e comida barata. No fim de cada frase desses lisboetas, quando explodia em gargalhadas. Lembra tanto o seu bom humor bobo. No céu azul bem azul, promessa de que tudo vai ser melhor. Como o ponto de fuga que você foi na minha vida. Meu suspiro bom, feito bolo quente, pastel de Belém fresquinho, conforto. Você está ali no pôr do sol em vermelho que se abriu em mágica no mirante da Graça. No meu pensamento pensando em deixar uma frase "estive aqui" porque, quem sabe, daqui a uma semana você veria a mesma paisagem. Entre azulejos e paralelepípedos, no macarrão que consegui finalmente cozinhar, em cada porta do Bairro Alto à noite, pouca luz e muita gente. Seu olhar ali me espiando, enquanto voltava caminhando de madrugada, meio tonta, tão feliz. Quando abri os olhos, revi o Atlântico e a garganta apertou e senti a areia nos pés e lembrei do seu abraço que também parece casa. Seu sorriso claro ali, atrás das pedras do Castelo dos Mouros, escondido no meio de citações de Fernando Pessoa e Eça de Queirós, nos acordes do Madredeus que escapam em cada passo à beira do Tejo. Você na vontade de cair no abismo da novidade, nos pratos gigantescos do almoço, no calor, no Hallelujah no violão, no Smiths tocando no escuro. No café da manhã em paz, tostas e ovos, tempo, amigos novos que chegam e se vão em uma semana. E quando cantei bem alto na rua e tive vontade de correr até perder o fôlego, vi seu vulto. E quase paro de sentir falta.


Porque você está em tudo. No inesperado, nas coincidências que parecem predestinadas. No pôr do sol que se abriu em um milhão de cores do alto da London Eye, atrás do Big Ben. No tempo ameno que me recebeu em uma cidade tão grande, meio cinza, feito aquele dia em que nos achamos. Nas camisetas engraçadas, na capacidade dos britânicos de rir de si próprios e tomar com violência seus pints de cerveja. No sorriso de lado, no olhar de canto dos homens no tube, mind the gap. Lembra tanto o seu humor misterioso, o enigma que atrai. Você ali na Couvent Garden toda descolada, pelos brechós de Bricklane em que toca Velvet Underground, nos muros grafitados na beira do Tâmisa cheirando a felicidade agitada e fosforescente. E sua voz me chama pra vida, mostrando o que está escondido dentro de mim, pronto para desabrochar. Como a epifania que você foi em minha vida. Minha parte destemida, feito vídeo de formiguinhas carregando confetes de carnaval. Você fica no meu pensamento pensando em como vai ser a noite, esse mundo de oportunidades que me chama, e imagino a sua Oxford Street quando atravesso a porta ao lado do metrô. Entre Lichtensteins e Warhols, fotografias preto-e-branco e instalações panfletárias, na minha súbita paixão por Pop Art e na vergonha de falar oi pra a Marieta Severo que passou ao meu lado. Seu olhar me espia enquanto dou risada na Tate Modern e procuro os passarinhos-triângulo do próximo Miró, artchista que adorou o terceiro andar da galeria cheirando a tinta. Na lembrança dos cavaletes que um dia usei, na textura dos acrílicos coloridos no papel, no meu amor por quadros e fotos e imagens que falem do que sinto, vejo sua mão levando a minha com paixão entre os sprays e rabiscos depois do batente da porta. Seus passos estão em Camden Town, por roupas e tênis verde azul xadrez, escutando Clash e saindo à noite para descobrir que continuo uma adolescente, who loves you inside and out, backwards and forwards with my heart hanging out. No cheiro de praia depois da Tower Bridge, nos meninos de skate luzes frenéticas eros sujeira coca cola picadilly circus. E quando senti muito frio mas mesmo assim voltei cantando de madrugada e enfrentei pubs e tive noites infinitas com vontade de me acabar na pista, vi seu vulto. E quase paro de sentir falta.

Sunday, February 03, 2008

Lição de casa

Quiero que sepas
una cosa.

Tú sabes cómo es esto:
si miro
la luna de cristal,
la rama roja del lento otoño en mi ventana,
si toco
junto al fuego la impalpable ceniza
o el arrugado cuerpo de la leña, todo me lleva a ti,
como si todo lo que existe,
aromas, luz, metales,
fueran pequeños barcos que navegan
hacia las islas tuyas que me aguardan.

Ahora bien,
si poco a poco dejas de quererme
dejaré de quererte poco a poco.

Si de pronto
me olvidas
no me busques,
que ya te habré olvidado.

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensaque en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.

Pero
si cada día, cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos.

"Si tu me olvidas". Pablo Neruda